O Iepha-MG realizou na última sexta-feira (30), no Palácio da Liberdade, uma visita guiada com a equipe do Instituto em comemoração aos 51 anos de fundação. A presidente Marília Machado ressaltou a importância da visita “Foi uma alegria imensa completar 51 primaveras do Iepha-MG ao lado de todos vocês, na manhã da última de sexta-feira, em uma visita ao primeiro bem tombado pelo Estado de Minas Gerais, o Palácio Liberdade. Ouvindo os comentários, entendi melhor uma frase do escritor Marcel Proust: "um observador que só vê as coisas de fora, não vê nada.""

 

Nosso Estado tem o maior número de bens protegidos do país e preserva a sua memória com o carinho de cada servidor desta casa. Marília Palhares, Presidente

A abertura foi feita pela presidente, Marília Palhares e o responsável pelo Palácio, Luiz Carlos, do gabinete militar. A visita contou com a participação de técnicos do Iepha, Adalberto Mateus e Ramon Vieira, que conduziram os servidores em cada ambiente do Palácio, revelando os elementos arquitetônicos, artísticos e históricos. Durante o percurso os servidores tiveram a oportunidade de experimentar o guia virtual implantado pela APPA, parceira do Iepha-MG nos projetos de visitação do bem tombado, que está dentro das propostas de educação para o patrimônio cultural que é chancelado pela Diretoria de Promoção, por meio da gerência de difusão e educação para o patrimônio cultural.

Sobre a visita, Marília ressaltou o olhar despertado pelo bem protegido "Ao percorrermos as entranhas do Palácio da Liberdade,  assim visto de dentro, pudemos  reposicionar nossas impressões sobre o patrimônio cultural, sobre nossos colegas, sobre o Instituto que construímos a cada dia.  Nosso olhar foi ampliado assim como a compreensão de nossa história. Nosso Estado tem o maior número de bens protegidos do país e preserva a sua memória com o carinho de cada servidor desta casa. Parabéns para todos nós que fazemos parte da história do Iepha."

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O IEPHA-MG

A criação do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais, em setembro de 1971, acompanha um novo momento das ações de reconhecimento do patrimônio cultural no Brasil. O caminho percorrido, desde 1931, com a assinatura da Carta de Atenas, teve como objetivo ações que viabilizassem a proteção do patrimônio cultural, através de instrumentos de reconhecimento institucional. A definição do que deveria ser preservado, ou não, acompanhou critérios e cânones, vinculados a conceitos e teorias que buscavam valorar e justificar, técnica e institucionalmente, tais escolhas. Desde então, o processo de construção de políticas públicas de proteção do patrimônio cultural tem sido acompanhado de mudanças nas premissas de juízo valorativo para definição do conceito e, consequentemente, das formas de preservá-lo. Se em um primeiro período, os conceitos de patrimônio cultural estiveram descolados do cotidiano, a partir de meados dos anos 1960, esta aproximação tornou-se inevitável.

A atuação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em Minas Gerais balizou a concepção de patrimônio cultural no Brasil, entre o final dos anos 1930 e início 1970. Marcos dessa atuação, a proteção de Ouro Preto e da Igreja São Francisco de Assis, na Pampulha, Belo Horizonte, expressam as ambivalências presentes na formulação da prática de proteção e na conceituação do valor do patrimônio cultural. A atuação intelectual do movimento modernista, iniciada nos anos 1920, materializa-se na construção da política preservacionista que já nasce, em 1937, com a inquietação de definir o que é patrimônio cultural brasileiro.

Anos mais tarde, com a assinatura do Compromisso de Brasília, em 1970, o governo de Minas Gerais cria a instância estadual de patrimônio com o objetivo inicial de colaborar na atuação do então Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Sphan, atual IPHAN. Coube ao historiador Affonso Ávila a pesquisa e a articulação para a redação e aprovação da Lei nº 5.775, de 30 de setembro de 1971, que cria o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais.

A ação de proteção do patrimônio cultural dá um passo importante quando reconhece a necessidade de ampliação de sua atuação na identificação e na gestão dos bens culturais. O próprio Affonso Ávila quando volta ao Instituto, em 1981, à frente da Superintendência de Pesquisa, Tombamentos e Divulgação e, posteriormente, da Assessoria de Estudos e Projetos, reafirma a diversidade do patrimônio cultural: “O nosso já prolongado convívio com o diversificado acervo histórico-arquitetônico de Minas Gerais tem nos ensinado a lição de que nem sempre o vulto de um monumento representa um índice de valor e expressividade em termos de arquitetura religiosa. Dezenas de pequenas capelas, disseminadas por várias regiões do interior mineiro, traduzem a nosso ver, pela singularidade construtiva ou de implantação no sítio, maior beleza de concepção e realização arquitetônica do que a que possa transparecer em muitas igrejas matrizes de grande porte.”. Afonso Ávila incentiva então a atuação do IEPHA-MG na elaboração dos inventários culturais, IPAC, e reforça a importância das instâncias municipais na formulação de políticas de proteção, na luta pelo tombamento do Cine Metrópole, em Belo Horizonte: “Ao tombamento, por seu mérito histórico-cultural pertinente e pela sua relevância nos desdobramentos de uma política de proteção ao patrimônio em Belo Horizonte e, por extensão no Estado, cabe a acolhida da via de homologação prevista na lei estadual”.

Na atuação da geração de Affonso Ávila, outros grandes nomes trabalharam para o conhecimento e reconhecimento do patrimônio cultural de Minas Gerais, Silvio de Vasconcelos, Francisco Iglésias, José Aparecido de Oliveira, nomes que ainda hoje alimentam as reflexões sobre patrimônio e cultura. O IEPHA-MG veio em sua trajetória ampliando a escuta e o olhar sobre o patrimônio cultural, seja em sua articulação com o IPHAN, seja incentivando as políticas municipais de patrimônio, a partir dos anos 1990, até o reconhecimento do patrimônio imaterial. A ampliação do conceito de bem cultural irá recolocar a discussão do que é o patrimônio cultural em relação à excepcionalidade, à diversidade e às raízes da cultura e, para além do objeto em si, o valor do patrimônio cultural passa a expressar sua própria razão de ser para as comunidades. Nessa nova categoria de bens culturais, o IEPHA-MG tem o desafio de atuar no reconhecimento da diversidade cultural, a partir do “acervo de seu processo criativo”, presente nos costumes, hábitos, maneiras de ser.

Essa atuação vem referendada pelas discussões em vários segmentos da sociedade que culminaram na Constituição Federal de 1988 e na Constituição Estadual de 1989, onde três pontos devem ser ressaltados. Primeiro, o conceito de patrimônio utilizado pelas políticas públicas de proteção que passa a considerar “realidades culturais intangíveis”, como as celebrações, formas de expressão, os lugares e saberes. Segundo, o “valor referencial dos bens culturais” que passa a ser considerado como mais um dos critérios de reconhecimento do patrimônio cultural. Terceiro, fica explicito o conceito de “diversidade” como princípio para a identificação dos sujeitos nas ações de proteção: os segmentos sociais são colocados como sujeitos de direito a seu patrimônio cultural.

Neste processo, a política de patrimônio estadual, ao reconhecer na ideia de bem cultural a noção de referência cultural, associada a grupos sociais específicos, abre-se aos sentidos do simbólico presente nos artefatos e práticas que vão estabelecer as fronteiras entre identidade e diferença. Ao mesmo tempo, os valores locais ganham legitimidade e a ação das políticas públicas assume uma responsabilidade frente aos grupos sociais diretamente vinculados à preservação patrimonial. Pode-se observar, ao longo do processo de construção das políticas de proteção, que várias experiências foram realizadas, principalmente a partir dos anos 1980, com o objetivo de trazer para a prática, para a ação de preservação, a amplitude da noção de bem cultural. Experiências em favor da valorização da história processual que buscaram ultrapassar a noção de excepcionalidade, experiências de reconhecimento de práticas e manifestações culturais que buscaram a aproximação com os grupos sociais detentores destes saberes.

O IEPHA-MG incorporou essa nova leitura do patrimônio através das ações de Registro do Patrimônio Imaterial e teve como desafio, nestes últimos anos, a implementação de práticas de inventário do patrimônio cultural com metodologias participativas com as comunidades locais. Nesta perspectiva, busca ampliar esta prática fortalecendo a articulação sistêmica com as administrações locais e o reforço da atuação do Conselho Estadual do Patrimônio, CONEP, como instância participativa e também legitimadora da política estadual.

Na trajetória do IEPHA-MG, dois pontos ainda merecem destaque. Primeiro, a busca por instrumentos de proteção que acompanhem a dinâmica para institucionalização desses “novos patrimônios”, com todas as especificidades acumuladas nos processos internos de discussão e nas próprias experiências de proteção. Segundo, a articulação com os grupos sociais no reconhecimento de suas práticas culturais relacionadas, tanto à imaterialidade, quanto à materialidade, ou seja, a busca da articulação destas dimensões em relação ao lugar, ao território da produção cultural.

Não se deve perder de vista que pensar e atuar sobre o campo do patrimônio pressupõe ter que lidar com novas concepções de tempo, de história e de cultura, com fronteiras e outros territórios do campo da cultura. Assim se configura o caminho do IEPHA-MG para os próximos anos: afirmar uma política de proteção que não se vincule unicamente às ações marcadas pela nostalgia de uma época representada pelo que foi possível proteger, e buscar conhecimento de “outros” territórios da cultura, onde se abrem relatos, acontecimentos, formas de viver, formas de relacionamentos, culturas vinculadas a um passado, mas presentes na dinâmica urbana. Seu maior desafio para os próximos anos será, com certeza, o exercício de compreender e ver o patrimônio cultural.