Evento faz parte da residência artística do projeto Refazenda, realizado pelo Iepha-MG e Instituto Inhotim

O Instituto Estadual de Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha/MG) e o Instituto Inhotim realizaram, em janeiro de 2017, o “Banquete Boa Esperança”, resultado de uma residência artística da pesquisadora e cozinheira Patrícia Brito com as comunidades quilombolas de Chacrinha dos Pretos e Boa Morte, do município de Belo Vale, região central do estado. A ação integra o “Refazenda” - projeto de revitalização da Fazenda Boa Esperança, realizado pelas duas instituições, com o objetivo de proporcionar aos visitantes uma experiência local e reflexão sobre patrimônio e políticas culturais.

Cerca de 200 pessoas participaram do evento, entre elas, o secretário de estado de Cultura, Ângelo Oswaldo, o secretário de estado de Planejamento e Gestão, Helvécio Magalhães, a presidente do Iepha-MG, Michele Arroyo, gestores e funcionários do Iepha e do Instituto Inhotim, agentes municipais da prefeitura de Belo Vale, artistas e professores.

O evento possibilitou o resgate das memórias gustativas e afetivas das comunidades e a ocupação da Fazenda com várias apresentações culturais, como coral e roda de capoeira. Vários alimentos e releituras de receitas das comunidades foram servidos, a exemplo do cubu (bolinho feito com fubá), bolinho de canjica recheado com broto de bambu e biscoito de polvilho. Tudo foi preparado com a colaboração dos moradores, após um levantamento feito por Patrícia Brito dos ingredientes usados nas receitas.

A pesquisadora considerou a experiência interessante e ressaltou a necessidade de conscientização dos mais jovens sobre essas memórias gustativas.

“Percebi que algumas mulheres mais jovens não sabiam usar o broto de bambu e nem o umbigo de banana nas receitas”, observou Patrícia. “Também notei que o uso das ervas medicinais – principalmente, na elaboração de chás - está se perdendo, já que os detentores desse saber não estão transmitindo-o aos mais jovens”, completou.

Para a artista, a realização do banquete reforça as identidades das comunidades locais. “Ao valorizar o uso de alimentos produzidos na região, assim como as receitas tradicionais, estimulamos as próximas gerações a perpetuar sua cultura e lhes garantir soberania alimentar”, explica.

Antes do início do banquete, Rita Dias, moradora da comunidade de Chacrinha dos Pretos, participou do ritual de abertura do evento e contou que a festa representou um dia histórico para os quilombolas da região. “Lembramos do sofrimento dos nossos antepassados na Fazenda. Com essa ação, queremos resgatar a nossa história e educar nossos filhos e netos sobre as nossas tradições”, afirmou.

O banquete despertou boas lembranças em outra moradora de Chacrinha dos Pretos, Maria Aparecida Dias, conhecida como Tuquinha. “Lembrei da minha avó cozinhando e das minhas tias fazendo biscoito quando eu era criança. A gente se escondia atrás do forno e pegava os biscoitos ainda quentes.” Tuquinha conta que foram 15 dias de preparação. “Escolhemos juntos o que seria servido. É muito importante fazer esse resgate, a fim de mostrar mais a nossa história para que as crianças possam conhecê-la”, afirmou. Morador de Boa Morte, Maurício Cordeiro reiterou que o evento contribui para fortalecer as comunidades. “Esse banquete une as comunidades quilombolas da região e revigora o espaço. É um passo para aumentar a visitação da Fazenda Boa Esperança”.

Dentro do casarão, foram exibidas obras audiovisuais do artista paraense Armando Queiroz e da dupla mineira Gustavo Jardim e Aline X. Os trabalhos foram selecionados pela curadoria do Inhotim e se relacionam à temática do patrimônio cultural. Também foi exibido o documentário “Se me der licença, eu entro: quilombolas de Belo Vale”, produzido por ? em parceria com as comunidades de Chacrinha dos Pretos e Boa Morte.

Para a curadora do Instituto Inhotim, Marta Mestre, o “Banquete Boa Esperança” demonstra a experiência da instituição em realizar trabalhos artísticos com características locais. “Foi desenvolvida uma metodologia para que a pesquisadora pudesse trabalhar com a comunidade e realizar o seu estudo. O resultado foi esse banquete, um modelo alternativo de programação que o IEPHA pode experimentar como uma vivência cultural baseada em memória, arte contemporânea e patrimônio cultural” comenta.

Refazenda

Por meio de estudos técnicos para ocupação da Fazenda Boa Esperança, o “Refazenda” identifica potencialidades e fundamenta ações de reestruturação, valorização e conservação do local e seu entorno. A pesquisa contempla ações integradas de plano de gestão, ocupação artística, educação patrimonial e relacionamento com a comunidade de Belo Vale e, consequentemente, geração de renda para a região.

A presidente do Iepha-MG, Michele Arroyo, diz que uma uma proposta de modelo de gestão do bem cultural está sendo debatida com a comunidade de Belo Vale. “Está sendo feito o inventário das comunidades tradicionais da região”, explica Michele. “Um material educativo será utilizado nas visitas guiadas à fazenda, onde também serão realizadas intervenções físicas”, afirma.

Restauração da Fazenda

O Iepha-MG está executando obras de restauração arquitetônica e de instalações complementares na sede da fazenda. O objetivo é garantir a preservação e integridade física do bem cultural, além de criar infraestrutura para ampliar as possibilidades de uso do local. A restauração terá como premissa básica a consideração aos valores estéticos e históricos da edificação, assegurando adequação e compatibilidade aos seus elementos construtivos originais, de acordo com os critérios de intervenção em bens culturais.

Patrimônio Cultural

A edificação da casa sede da Fazenda Boa Esperança possui proteção por tombamento pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan - em 1959, e proteção pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais – Iepha-MG – em 1975.

Situada em ponto estratégico da antiga província, a Fazenda Boa Esperança é um dos mais conhecidos exemplares da arquitetura rural mineira. No seu auge também era bastante conhecida, não só por sua riqueza econômica, mas também pela hospitalidade, servindo de pousada para Dom Pedro I quando em viagem pelo interior das Minas ou como doadora da madeira para a construção das igrejas de São Francisco de Assis em Ouro Preto e de Bom Jesus em Congonhas. A propriedade teve grande importância econômica na região, chegando a abrigar mais de 800 escravos.